AQUÁDROMO
O tempo estaciona
na manhã estática:
antes que o sonho descortine
imagens com arritmia
no verso da pupila,
um projetista sem pé nem cabeça
pra perceber que ainda tenho
um olho lúcido,
roda o filme.
Que minha futura ex-mulher
pense em mim como um travesseiro
pra mantê-la de pé,
e minha casa seja
da porta pra fora,
com um navio na garagem
e um jardim murado de mares.
Anseio um mundo de ideias atrapalhadas,
onde o mudo fala,
as mulheres comem homens,
ricos doam a última gota de fraternidade...
As flores exalam cantos de pássaros,
as noites chovem raios de sol,
que janelam poemas
tateados à meia luz,
pontuados por pedaços de chocolate devorados...
Não me lembro de algo tão contrário
quanto um sonho acordado
Quadro pintado com tintas vivas,
espremido, transborda
pelas bordas do aquário:
palavras nadam.
DANILO ZAMAI - 23/09/2009
terça-feira, 29 de setembro de 2009
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Leitura, escrita e linguagem
A realidade que nos rodeia apresenta-se como um texto infinito, e não acho exagero dizer que esta realidade é equivalente a uma grande leitura da qual fazemos parte tanto como emissores quanto receptores.
Praticamos o ato da leitura durante toda a nossa vida, a cada instante e segundo; me arrisco a dizer que lemos mesmo antes de nos darmos conta de quem somos ou que somos. Na maior parte do tempo não temos controle de nossas leituras: lemos consciente e inconscientemente tudo aquilo que nossos cinco sentidos “passam os olhos”, ainda que estejamos cansados de ler; lemos gestos, lemos toques, lemos o cheiro de comida fresca recém-preparada... E como se o mundo não fosse um texto grande o suficiente, reservamos tempo para lermos as palavras imortalizadas no papel. Eu leio, inclusive, enquanto escrevo este trecho e tenho de revisar o conteúdo (textual) de minha memória.
Será injusto dizer que a escrita é menos importante neste “mundo-texto”, seja com palavras ou sem o auxílio delas. Escrevemos enquanto contamos histórias aos amigos ou quando alertamos alguém de algum perigo iminente. Cuidado àqueles que pensam em escritores enfurnados em torres de marfim ou como seres detentores de um conhecimento especial, pois organizamos e escrevemos histórias de nossa própria autoria numa simples conversa, numa piada ou conto qualquer, só não nos damos ao trabalho de imortalizá-las. Alguns de nossos textos são mesmo impossíveis de serem imortalizados em folhas de papel, como quando mandamos aquele beijo sem dizer palavra, por causa do barulho da rua ou de sua distância, que a nós separa; como quando tocamos levemente o braço de alguém desejado, alguém que nos foi proibido falar; ou ainda aquela piscada sacana no silêncio de um salão. Essas histórias são tão belas quanto qualquer livro, porque são contadas no calor da espontaneidade, e não são palavras esfriadas pelo tempo.
No entanto, é notável a beleza e a riqueza de nossa Língua Portuguesa – portuguesa só no nome, mas que abarca sutilezas de várias nações. Mas, mesmo assim, ela é limitada, e para isso fazemos uso, muitas vezes, da linguagem não-verbal, que é canal universal quando o assunto é comunicar-se; é a ela que recorremos quando as palavras não são suficientes, e não há nada melhor para começar um texto como um aperto de mão.
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