sexta-feira, 10 de setembro de 2010

PACTO EM SILÊNCIO

Esta sombra não pode ser minha
Não a mesma sombra
de meus primeiros dias
Na mais idosa memória,
era mirrada e pequenina,
incapaz de um passo além
sem se perder de mim
Veja você agora,
como cresceu!
Alimentou-se de lembranças
às minhas costas,
está feita gente grande
com vestes para passeio noturno.

Eu sei, sem me dizer,
(e você sabe que eu sei)
que enquanto durmo
revestido de sonhos,
na surdina você sai
pra se fundir na noite
Porque a noite pertence
às sombras que vagam
à procura do silêncio
soprado ao pé do ouvido;
dos segredos
na claridade do dia, ocultados.

Você se finge de tonta, mas eu sei
(e você sabe que eu sei)
Assim perpetuamos
nosso acordo em silêncio:
de dia, você é a sombra dum poeta,
de noite, sou um poeta assombrado.



DANILO ZAMAI - 10/09/2010

sábado, 4 de setembro de 2010

POESIA FUGIDIA

Estou prestes a admitir:
sou um caçador de borboletas fantasmas;
mas não o faço,
só deixo clara a intenção de admitir...

Se minha área de trabalho
é o campo das reticências,
como irei reter a imagem que se derrete
assim que se pretenda rabiscar a folha?
com que propriedade?

O poema é pobre
na tentativa de captar a poesia
emanada nas coisas da vida;
o poeta é louco de tentar
A poesia, ao que parece,
não pretende ser escrita.

No jardim, o gato preto,
que há pouco tentava capturar
a sombra ligeira duma borboleta,
me encara,
e até parece entender o que se passa.



DANILO ZAMAI - 30/08/2010

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

LINHA INTERROMPIDA

Uma ligação perdida,
número não identificado
Quem poderia ser...?
Estava ocupado com outra chamada:
assistia algo sem muita importância
mas que prendeu minha atenção
Aguardo o telefone tocar,
novamente ele não toca.

Seja o que for,
precisava ser dito no exato momento
e em nenhum outro
Típica ação do ímpeto,
tipo de reação em cadeia
capaz de mudar o curso de toda a vida;
típico do que faz diferença.

O amor, amizade ou seja lá o que for
apenas existiu na fibra ótica
O telefone não toca;
pior: os dominós não se movem
Me pergunto se muito do que chega aos meus sentidos 

                                                                                  me desvia o sentido.


DANILO ZAMAI - 01/09/2010

segunda-feira, 23 de agosto de 2010


MULHERES DE AR

"Procura-se Bete"
vou mandar fazer uma placa...
Não que espere que Bete apareça
Suas pernas torneadas
domaram o asfalto,
tão seguras de si,
que Bete era feita somente de pernas.

"Procura-se Ângela"
e seus olhos de Lua sempre cheia
Repletos de apreensão difusa,
imploravam por conforto e segurança,
como se o susto antecipasse o fantasma -
que bom que na hora eu passei...

"Procura-se Estela",
naquele vestido aquarela
O mesmo que envolveu o seu corpo
e seus contornos de cor,
deixava pra trás o tom cinza invariável
de passado sem saudade.

"Procura-se ela",
ainda que não tenha nome
nem forma,
mesmo assim tão presente
quanto qualquer mulher
da minha vida inventada.


DANILO ZAMAI - 23/08/2010
       

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

NOVOS VIZINHOS

- Vou fechar a janela, gato, tá um puta dum frio. Vai ficar aí ou vai entrar?
- Pode fechar, vou ficar aqui mais um tempinho.
- O que você tanto olha aí, afinal, posso saber?
- Você não viu que mudou gente nova no apartamento da frente, no segundo andar?
- Eu vi um caminhão de mudanças um dia desses, mas nem prestei atenção em quem poderia ser. Eles estão lá embaixo...?
- Hei, hei, hei, o que você tá fazendo! Presta atenção, pô! Não aparece com a cabeçona na janela, senão você vai dar muito na cara.
- Então me fala: quem é que você está vendo aí?
- O pessoal que se mudou, os novos vizinhos, eles trouxeram uma gata, e ela está se espreguiçando no parapeito neste exato momento. Uhmm, que belo exemplar da espécie...
- Vai lá, garanhão, joga um charme pra ela.
- Já vi que de fêmea você não entende muita coisa... Não posso me comportar feito um predador, vai assustar a gatinha. Além do mais, preciso parecer indiferente, até mesmo desinteressado por causa da Tita, a gata do terceiro (andar); preciso deixar no ar a minha preferência por ela, mesmo com a chegada da nova vizinha. Assim eu faço uma dupla jogada: a Tita não me vê como um safado, um cara de pau, e ainda deixo a impressão para a recém-chegada de que não me jogo atrás de qualquer rabo de gata (o que é uma baita mentira). Os gatos da redondeza vão aparecer igual urubu, quando sentirem o cheiro de carne nova no pedaço. Eu vou ficar na minha, aparentando normalidade. Não vai demorar muito a vizinha nova percebe o flerte que rola entre mim e a Tita, daí é esperar pela reação dela, ver se ela começa a prestar mais atenção em mim...
- É bem isso mesmo... Mulher é igual emprego: só aparece quando você já tem uma.
- Por isso você não tem nem um nem outro, e pelo visto vai continuar assim por um bom tempo...
- Vai me zuando, gato, acabo com o seu esquema romântico agora, se você quiser.
- Hei, cara, tô só brincando, pega leve.
- Aposto que você ia ficar puto se chegasse da rua qualquer dia e percebesse que tem mais alguém dormindo na cama, sem espaço pra você deitar. Você sabe que eu durmo até mais tarde e que a minha cama é a única que fica desarrumada o dia todo. Queria ver a sua cara se houvesse alguma mulher pra me obrigar a organizar este quarto... Adeus edredom pra se enfiar e adeus escurinho pra você não dormir com a cara no Sol. Isso se eu não conhecesse alguém que não gostasse de gatos...
- Senti o cheiro da discórdia no ar...
- Porra, me esqueci do pão na frigideira!

domingo, 15 de agosto de 2010

LINGUÍSTICA

Não me livro desta palavra "cíclica"
"Ci": ponta da língua nos dentes
 "cli": ar pelos cantos da língua
"ca": estalo surdo no céu da boca
Minha língua dançando com as ideias,
ciclicamente...


DANILO ZAMAI - 15/08/2010